quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Mistura




   Os dedos que deslizam nas notas do piano, não eram os mesmos que acariciavam os cabelos depois de uma taça de vinho na janela, em pleno sábado à noite. Por que chorava? Por que me contava? Eu até levantaria os motivos, que qualquer um tem, mas é difícil associá-lo como "qualquer um".
   Eu não diria vergonha ou egoísmo. Eu não diria nada, na verdade, prefiro nem chutar, resolvi parar de decodificá-lo nos momentos em que ele me encarava. Deixava bem claro que aquilo, de certa forma, o incomodava - com todo direito, já que eu estava tentando penetrar na sua mente e revelar seus segredos, sem mais nem menos.
   Não pedi desculpa, deixei que ele imaginasse tais palavras saírem da minha boca e, como sempre, ele ignorá-las. Não que ele me ignorasse, mas só o que eu falava - acredite, é completamente diferente. Era até bom, porque eu sabia a hora de parar, sabia quando extrapolava e dizia a si mesma: cala a maldita boca.
   Quando a gente gosta de alguém, sabe quando é correspondido - se não sabe, acredite, não gosta realmente dela. Sem essa de "preciso ter certeza", não estraga. É, fica sentada no canto da sala, deixa ele tocar o piano com os cabelos desajeitados e a barba por fazer. 
   Sábado à noite, sempre. Não namorávamos, não éramos amigos. Era uma mistura - sim, eu rotulei e realmente espero que ele nunca saiba -, não uma "amizade colorida", mas mistura mesmo. Digamos que seja como um sorvete de napolitano: três complementos juntos, que podem ser separados, mas seria um pouco difícil - eu, ele e o piano. 
   Depois de tanto tempo calada, enquanto ele chorava, eu conclui: fim. Estava claro e, ao mesmo tempo, implícito. Aos olhos alheios, nunca fez sentido. Aos nossos, porém, sempre fez. Quando o fim chega, o começo destrói e acaba sendo amigo. Mas, droga, éramos uma mistura! 
    O fim nunca ocorreu verdadeiramente, porque nunca fez sentido. Nunca fará sentido. 

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